Não tá Morto quem Peleia

Giba Trindade
                

Já viu a luz como guacho Por deserdado da sorte… Depois de enganar a morte Pegou entono ligeiro… Mas vendo à volta o perigo Partiu em busca de amigo Pro seu intento campeiro. Ganhou nome logo cedo Assim que se alçou do chão Seguindo o rastro de um peão, Como ele um desgarrado Vindo da Banda Oriental, Que lhe gritou…Sapucay ! Quando chegou no galpão. Assim foi cumprir a sina Pelo terreiro da estância, Desafiando a própria infância Se criando ao deus-dará… E na sua heroica cruzada Quando amor pátrio era nada, Buscava o colo de um piá. Caçou lagarto nos cerros Nalgum verão mormacento, E acoando pra o firmamento Saudou a lua pampeana… E se avistava a soalheira Que até o vento deixa morno, Buscava uma refrescância, Sesteando junto com a estância Na sombra do cinamomo. Na pobre vida de guacho De quando em vez lhe sobrou, O apojo de uma tambeira Por bondade de algum peão… E changou restos de bóia Ombreando com a cachorrada Ao derredor de um fogão. Quebrou geada no inverno Costeando algum semaneiro, Sempre saltando primeiro Mesmo na lida mais feia… E gostava de armar bochincho, Invocado igual capincho Chegando em morada alheia. Viveu feliz, Sapucay Mesmo não tendo uma infância, Pois sua escola foi a estância Que só lhe ensinou lutar… E, crescendo ao deus-dará, Cuidou suas próprias feridas, Trocando os males da vida Pelos carinhos de um piá. Mas a vida cobra o preço De quem nasceu deserdado, E um dia, desajeitado, Na imprecisão de ser guacho, Foi beijar a pá de um casco Numa lida de mangueira… E a estância calou inteira Ouvindo o grito da morte Mesclar-se ao vento campeiro, Depois entrar no terreiro Levando a dor nas suas asas, Pra chegar junto das casas E um piá abrir seu berreiro. Se foi daqui, o Sapucay Cusquito de bueno rastro, Pois mesmo criado guacho Sem o carinho dos pais, Cumpriu a risca o destino Que ganhou das mãos de Deus, Se entregando pra o serviço, E por tanto amor ao ofício Buscando a vida… morreu. E a estância se comoveu Com a tristeza do piá Chorando a perda do amigo, E viu seu gesto bonito Talhar uma cruz campeira, E encravar na cabeceira Da cova aberta a lo léu, Invocando a um santo justo Pra que a alma do seu cusco Subisse em paz para o céu. E o tosco galho de angico Que foi regado com o pranto Do tristonho piá chorão, Se enraizou pelo chão Crescendo com imponência, Levando através dos anos O sangue do Sapucay Pulsando na sua essência. Vejam que sina... parceiros, Como capricha o destino, Aquele cusco franzino Que se criou como guacho E morreu ao golpe de um casco Há trinta anos e pico… Hoje, revive entonado, No chão que lhe deu guarida, Pois renasceu para a vida No coração de um angico.