Um Poema no Sul

Caine Teixeira Garcia
                

Um poema no Sul É Boitatá na escuridão, A clarear a imensidão Da pampa vieja machaça... É um violão enfeitiçado E a voz antiga de um bardo, Na pura verve da raça... São as tropas em missal Ecoando em rondas largas, Na espera que a sorte traga Um outro destino pra vida... É um vagalume andarilho Ao emprestar o seu brilho Para o descanso da lida... É a quietude das carretas Que range antigos caminhos... É a força de um moinho E seu velho “corpo de lei”! É o hornero e a companheira - casa erguida na tronqueira - É o campo forjando a grei! Ah! um poema no Sul É um par de esporas luzindo, No galpão adormecido ...singrado em réstias de luz. É o cruzeiro encravado No céu campeiro do pago Na eterna bênção da cruz! É um pai-de-fogo teimoso A resmungar, insistente, Em sua ânsia latente De aquentar madrugadas! É a cambona silenciosa, Desejando água e prosa No matear da peonada... É toda a faina da estância E um pealo de cucharra, De um piazito – só por farra! Nas lidas de marcação... É o touro que vira boi, E o bago que “já se foi” Para o braseiro do fogão! Um poema no Sul, É qual o lunar de Sepé: Eternizado em Caiboaté Na luta pelo seu povo! É cerne que não termina E após cumprir outra sina, Retorna à pampa de novo! É o tropel da cavalhada Que o Negrinho encontrou... É o rastro que ele deixou E que ninguém há de apagar! É um sacristão enfeitiçado Pelo olhar doce e encantado Da bela moura, Teiniaguá! Ensinamentos de Martin Fierro E de Don Segundo Sombra... Legado que se prolonga - fibra de Terra e Cambará! É de Bibiana um lamento Por saber que O Tempo e o Vento, Não se cansam de passar... Sim, um poema no Sul É Rillo, Aureliano e Coronel É Jayme, o Tocaio e o Noel, É Cenair, Ortaça e Eron Mattos Trazendo sonhos na palma... Sangrando da própria alma, O que é Rio Grande, de fato! É Nico Fagundes, Juca Ruivo Mano Lima, Simões Lopes Neto, No inconfundível dialeto De enaltecer o gaúcho... É Barbosa Lessa, é Paixão, É a pureza de um coração Que não se vende pra o “luxo”! É a imortalidade de Quintana Sem pompas de academias! É o verso sempre em porfia Na pena de grandes poetas... É guitarra, canto e cordeona, É tudo aquilo que emociona, Na arte que nos completa! Um poema no Sul É nossa gesta de antanho... É gado, tropilha e rebanho, São as futuras gerações! É a herança das tolderias E a abarbarada geografia Desses atávicos rincões! São essas pátrias hermanas E o gaucho por excelência, Que forjou nossa querência E alicerçou essa terra! Meias-luas e boleadeiras, Lanças fazendo fronteiras, É a paz alcançada na guerra! É quando nasce o bem-querer Pelo olhar da china-flor, São as promessas de amor Contra a vontade do patrão... É a incerteza da estrada, Pra quem na vida, tem nada, Além da coragem de peão! Um poema no Sul Abriga campo e cidade... Tudo aquilo que é verdade ...o que no peito, faz morada! É tapera, é o abandono, É a esperança do retorno De uma cria extraviada! É o indelével Berega E sua arte num bolicho! Bem ali, junto aos “munício”, Que abastecem a campanha... É carpeta, osso e carreira, É o bueno e o calaveira No mesmo batismo de canha! É o Minuano que sopra Afrontando poncho e quincha, É o pingo que relincha À mão canhota e o buçal... É o campeiro quero-quero, Que desse garrão de hemisfério É o guardião ancestral! Um poema no Sul Sou eu... é o mate amargo! ...e estes pensamentos vagos Que povoam minha mente... É o sol na linha do horizonte, São os mistérios da noite, É a vida, tão simplesmente! É esse posto fronteiriço Que herdei da ascendência... Onde mantenho a essência E aquilo que me fortalece. É o cusco e o flete que encilho E a prenda amada e meus filhos Por quem agradeço, em prece! É quando o silêncio indaga O que, enfim, vale a pena... E percebo, de alma serena - no aconchego dos meus - Que em tudo, o Sul é poema, Num livro prenhe de temas Do poeta maior: o meu Deus!