Sopra um minuano na pele do chão, Descansa o violão no colo de um banco E o pampa adormece num sono solito Ao lume proscrito de algum pirilampo... Os homens rumaram sem rumo a “lo largo” Sorvendo no amargo outras ervas do povo, Deixando nos rastros das próprias pegadas Vestígios do nada que buscam no novo! O silêncio penumbra na voz do caudilho Que busca no filho o Rio Grande que fez E um peão cabisbaixo montando num sonho Procura, tristonho, a sua última rês... Uma armada certeira de um tiro de laço Segura o espaço ventana do tempo Que é fogo “caliente” de ferro no lombo Marcando com tombos e riscos de vento... Há um campo deserto de botas e patas Que a fuga insensata debulha na areia, Uma safra perdida no fundo de um silo Que a traça e o grilo disputam em peleia! Carretas tombadas descansam na grama O orgulho e a fama de eras passadas De quando levavam mascates... Ciganos... Vendendo o profano nas casas sagradas... Porteiras abertas lambendo abandono E terras sem dono ao furor de deserto Onde o quero-quero sestroso e matreiro Faz-se posseiro, rondando por perto! Foram-se os peões levando seus filhos Em busca do brilho, da luz e das cores, Cambiando no peito da prole campeira A paz verdadeira por palcos maiores... Calaram as guitarras na voz das tertúlias E as poucas fagulhas de um fogo de chão Descansam apagadas num poncho amassado. Poeirento e jogado aos baús da razão... Enfeitam paredes de bares temáticos Antigos e apáticos pares de esporas Que guardam nos dentes de cada roseta Sinais de paletas dos potros de outrora... O pasto que é inço de brejo e mio-mio Repousa vazio de fletes e gado E cobra primícias de outras searas Que antigas coivaras ganharam de arados... O galpão é deserto... Sem prosas... Sem mate, Chorando seus vates do triste abandono, Morada de um cusco solito e perdido Que fora esquecido na fuga do dono... Os muares se foram pras bandas do norte Pisando na sorte de estranhas coxilhas, Levando em bruacas e alforjes sem luxo O orgulho gaúcho e a estampa caudilha! A lide campeira tombou no rodeio Carcada no freio da doma e do pealo E um eco sinistro se perde no espaço No timbre de aço de um canto de galo! A casa do posto no fim da invernada Esbruga assoleada no mato e nas heras Chorando um posteiro que foi pra cidade Deixando a saudade morar na tapera... A trama apodrece agarrada no arame Sem ter quem programe seu elo ao moirão, São cercas caídas pelos corredores Onde os desertores passaram no vão... Mas... Num fundo de campo, enfurnado nas casas, Mexendo nas brasas, com cinza nas mãos, Um taura persiste sem eira nem beira À luz da fogueira, batendo tição... Um rude matuto perdido em seu fado Que esconde o passado no pó da gaveta. Lutando por ser, numa enorme peleia, A última areia que cai da ampulheta! Uma única argola que une o outrora Ao mundo de agora, bastante mudado... Um elo perdido soltando dos tentos Que a grosa do tempo roeu do passado! Sou eu... Que me ergo na sobra do escombro, Levando nos ombros pedaços de mim, Como erva daninha que insiste teimosa, Dar sombra espinhosa na flor do capim... Sou eu... Que persisto, em fios de navalhas, Lutando em batalhas dos tauras primeiros, Cortado de lanças e pranchas de adagas, Expondo nas chagas sinais de tropeiro! Sou eu... No cabresto, agarrado ao timão, Como um capitão que não deixa o navio Sou eu... Que perduro solito e ferido, Num pampa esquecido... Num pago vazio!