Quem me vê nada imagina Do que tenho por malgrado, Pois meu semblante bordado Não transparece jamais Tantos motivos reais Que conto desta maneira: Fez-me a vida, prisioneira Da costura e nada mais! Não fiz morada em jardins Nem nas tranças dos cabelos... Não pude receber o zelo De vasos junto à janela... Restou-me a seda amarela De um vestido – já surrado – Neste viver distanciado Das outras flores, tão belas. Minhas pétalas formosas Bem desenhadas no pano Nenhum espinho profano Pode tê-las ao alcance, Mas no silente relance Pouco vale esta morada Se presa por ser bordada Não posso enfeitar romances. Muito mais aceitaria O espinho com seus puaços Ante a ausência de abraços E rondar entristecida A inveja de ser colhida Num fim de tarde qualquer E ser bem ou mal-me-quer No jogo eterno da vida. Toda flor é romanceira Seja por mimo ou regalo Quando presas pelo talo Num “ramito” enserenado Vão rumo a ranchos quinchados Onde a saudade é uma espera, Pois a própria primavera Mora em lábios adoçados. Lastimo ter esta sina... Quisera viver faceira! Mas por mãos de costureira Tocou-me o dito costume, De não aguçar o ciúme Dos olhares cruzadores, Jamais ser sinal de amores, Tampouco exalar perfume. Carícias?! Pouco conheço! Longe de beijos e afagos Adormeço em berço vago Com silêncios de amplidão, Bem de encontro ao coração Fui bordada, com bom jeito Pra talvez florir um peito Que também tem solidão. Não tive o espelho das sangas Pra mirar meus olhos negros... Não guardei em mim segredos De juras nas madrugadas, Aqui da minha morada O tempo passa tão lento Que perdi meus sentimentos Por entre linhas cruzadas. Por vezes, pelos bailados Algum lenço, sem malícia, Me oferta leves carícias Nas bordas da minha figura, Qual se me contasse juras Dos seus mais puros desejos... Mas como entregar-lhe um beijo Se vivo presa à costura?! Tanto quis ser flor do campo Destas que nas noites longas Inspiram velhas milongas Com a D’alva no horizonte... Mas tenho apenas a noite Na escuridão de um armário Onde este silêncio diário Mais me condena aos açoites. Sigo assim, encarceirada, Num ciclo que não retorna Sempre tenho a mesma forma Não me assombram os outonos, Mas nada vale este “trono” Se com a agulha da saudade Roubaram minha liberdade Pra dar-me em troca o abandono. E se um dia, essa costura Por um acaso qualquer Aos poucos se desfizer Num despencar tão sofrido, Apenas rezo em pedido Que se existir outra vida Eu retorne sem feridas Para um jardim florescido. Inocente costureira,... Não entendas neste gesto Que meu relato é um protesto Ao fadário de tuas mãos... Mas me indago com razão Se não te toca o que trago, Ou também guardas amargos No teu pobre coração.