De Esporas Calçadas

Caine Teixeira Garcia
                

A madrugada, preguiçosa e cálida, Tece um silêncio incomum! Nem corujas, em seu mau agouro Nem alaridos do vigilante quero-quero... A natureza parece estar adormecida Burilando saudades e nostalgias Nestes remotos recantos do sul... O vento manso, sereno e morno - Que varre o ventre do galpão - Conta das chuvas que se avizinham... Ouve, impaciente, o estertor do fogo Que mal e mal aquenta a cambona... Parceiro desse meu tempo solidão Sopra o braseiro, incitando à vida! Um ovelheiro chaira a preguiça Bem recostado, num mangrulho, Enquanto outro ressona as horas No catre bueno dum doze braças... - esquadrinhadores de campo e lida! ...o lampião antigo atrai as mariposas Para uma dança prenhe de luz... Adiante da porteira, outro cenário: Os pirilampos plagiam estrelas Que rasgam a escuridão silente... ... sina eterna de ser - e viver - luzeiro! Quase sepulcral, é imensa a quietude: Nem bruxas rondando a cavalhada E nem gadaria ecoando um missal... Encravada num céu de setembro - qual fosse mesmo um balaço no breu - A velha boieira, sinuela e madrinha, Causa inveja aos olhares da lua... A noite pari uma estrela cadente Que ruma, rutilante, ao banhado Adormecendo entre brejo e canhada... A letargia só é bulida pelas esporas Que, sonolentas, ainda calço! Me agrada o seu tilintar baldoso... Um ou outro ruído ainda se ouve, Das janelas e portas arrenegadas, - Em suas vozes de velhas dobradiças... Querendo mais, embalar o tempo... O chimarrão charla com o vento Na bomba que ronca, com sede Parecendo ecoar longe, no pajonal... Algum mistério de outras eras Parece abraçar pampa e caserio, Repousando dentro da alma, Quem sabe, a curar dissabores... Há algo mais, que não cabe à visão, Tão perdida, no que os olhos veem... Imperceptível a ouvidos moucos, O silêncio teima em falar de vida! O luar que vem beijar os plátanos Confunde-se entre prata e verde Em copas grandes, parteiras de sombra... Enigmática madrugada primaveril, Sem cargas de cavalos na eguada E sem algazarras pelos caponetes... Inúmeras metáforas para o momento, Frente à realidade pura e insistente, Que habita a simples complexidade De ser, em completude... querência! Talvez o aroma inebriante das flores Tenha embriagado essas sesmarias... A mim, tocou uma senda contrária: Noite e madrugada indormidas! O pensamento pujante de anseios, Absorto na plenitude ao redor, Reverberando o que pulsa no peito... É flagrante que se achega o dilúculo, Espraiando as frinchas do arrebol, Que apeia, apojando um novo dia... Como feitiço desfeito, tudo renasce! A campanha se espreguiça, plena... Berram tambeiras e a terneirada, E o pingo, afoito, pede milho e buçal! Aspas se afiam num cupim, ao longe, E um galo afina o canto, no terreiro... O sol vem repontando o ritual, Sem respeitar os flagelos da insônia. Cada detalhe desse novo amanhecer É um madrigal com gesta terrunha, Orquestrado em dialetos silvestres... O inverno, por certo, sequer imagina As belezas que a primavera abriga... Se soubesse, não mais seria estação! Embretado em meus desassossegos, Me perdi nas horas, que cruzaram largas... O alvorecer, indelével, chama à faina Ao taura que honra o compromisso! Venço o cansaço, pois é meu costume Singrar madrugadas – e meu interior... A mão canhota embuçala a certeza De que a lida bruta irá lamber feridas Que o mate lavado, ainda não curou... No bico do hornero, já nasceu o dia