O Outro do Espelho

Guilherme Suman
                

A parede que no tempo há muito se enfeia, Sem cor, sem graça, e um eito de estranha... Se prateia no cardar do fio das teias Uma tela tão perfeita pro tecido das aranhas. A tábua rangedeira a emitir no chão Um lamento tão sonoro que se pasma Quando ouve-se o motim da solidão, Nas pegadas pela marcha dos fantasmas! A casa, na ferrugem dos horários, Aposentou os ponteiros do alforje! O relógio, em sentidos ao contrário, Dá um passo para trás e ainda foge. Bem no meio do salão há um festejo, Na demência costurando o desalinho. Vivo, vê a vida em mil ensejos, E percebe o quão triste é ser sozinho! Vai ao quarto, vai ao sótão e pela sala Grita aos quatro cantos que ressoa; Reverberando o som da sua própria fala, Em voz metálica que pelo nada, ecoa! Fez aquilo só pra ter uma resposta, Pois não se aguenta de estar assim tão só. A depressão em sua cadeira se recosta E se aconchega pra apertar o último nó! Num ímpeto cada vez mais impreciso, Louco, a si mesmo, dá um conselho: O velho ensaia uma espécie de sorriso, Em satisfações ao seu lírico espelho. Em riso sonso, sem sentido e sem nexo, Joga palavras pela lógica adversa: Esperando que, apenas, seu reflexo Entre nos meandros da conversa. O silêncio afogou sua alma, a esmo, E o velho, numa imagem intensa e louca, Estava mudo frente à imagem de si mesmo, Enquanto outro articulava a própria boca. E o homem, prisioneiro no espelho, Fere a coerência pra que ela não interfira... Imitando o outro louco e triste velho, Plágio perfeito do seu outro que delira. Desajustes musicais de dois coitados, No compasso de pesadas gargalhadas... Porém, um dia, o espelho foi quebrado, Fragmentos de uma alma estilhaçada! O velho triste ao sofrer pelo despeito, Fez sentir o escorrer quente e vermelho... Brotar do sangue, sangue tinto pelo peito, Ao fincar-se com pedaços do espelho! Não evita que morte então lhe arraste, Sem seu amigo, nem viver será preciso! Regeu a orquestra delirante dos desastres, Quando amou sua própria face de Narciso. Rei decaído, sem coroa, sem conquista, Esvaindo-se em rubras amarguras... Deixou no ar uma risada tão sinistra, Ecoando no final de sua loucura!