O cheiro do espinilho esvoaça... Quem avisa é a fina fumaça Desenhando no ar personagens Criando ancestrais imagens Junto ao pai-de-fogo aceso, na rotina rural “mañanera”... São postais de meu tempo De uma infância alvissareira. Nos campos vastos das relembranças Há tantas de uma antiga criança, Que, de intensas, esvaem o coração... Um rádio chiando por fora do ponto, Um avô que acordou “muy cedito” E em seu banquinho ao pé do fogão Espera um neto já de mate pronto. E assim, quando me paro solito No rancho com olhar no infinito Reculuto a eterna sabedoria Dos ancestrais, com fidalguia, Para levar aos meus, o campo, A honra, a simplicidade da vida, A mão estendida e o terrunho canto. Recordo da estrada... Depois da curva da picada Dispara em alerta um quero-quero. Eu chegando no seu rancho fraterno E ali, por dias fazer querência em Lida de campo, mangueira e galpão Eu, um piá querendo ser campeiro, Ele, “senhor” por inteiro, em seu alazão. Em seus olhos, eu via os sonhos, Nas suas mãos, calejadas e rudes, A ação do tempo que ilude Emoldurado na pele sulcada, Mas quando elas se uniam E me afagavam as melenas Acompanhadas de prosas compridas Sentia o afago da vida Junto às suas ânsias morenas. Suas palavras escreviam textos, Que nem eu nem mesmo o tempo Poderíamos sequer imaginar Que estava a desenhar Em um guri de alma inquieta A estampa de um poeta Que verseja aos borbotões O amor pelo seu lugar. Das coisas do campo... Contava de tranças e tentos De apartes e castração. Falava em curar bicheira, domar cavalo, Parar rodeio, botar pealo... E eu, atônito, naquela imensidão Me embriagava nas histórias Viajava dentro das memórias E me alojava em seu coração. Do mate antes dos galos, Um costilhar que engraxava o fogo, Um freio que trancava o jogo, As encilhas do cavalete pro lombo E quem nunca contou tombo Não viveu sina campeira, Porque a espora cortadeira Nem sempre aguenta o tirão... E leva do céu ao chão Numa olada matreira. De meu avô, tenho esse retrato... Campeiro de cerne e essência, Um artesão e mestre guasqueiro, Que no findar da existência Se foi pra cidade ser João Barreiro. Lá, alambrava cercas estiradas em ternura Como quem estende na pampa moirões. Espichava arames unindo corações Com fios de esperança e candura. A tropilha rumo à invernada Campereando um sinuelo de alegrias Cada aurora se faz campo em nostalgia Campeando o ontem a cruzar a cancela; Ainda vejo sua imagem na janela E passo a entender essa linha finita Que se impõe tempo, pra determinar o fim; Dele, renascerá em mim O respeito e o sentido de querência, Pois me entregou a essência De terra, barro e capim. Sua voz... Sua voz em noite de ronda Ressonga ao pé do borralho Com a força de pajés charruas Claros como as noites de lua Límpidos como a água que chia Em sussurros de nostalgia Na voz de sua alma andeja Até o quero-quero se cala Pra escutar a sua fala De onde quer que ele esteja. “Me devolve com a direita... Pois foi com a direita que te servi!” Sua voz e alma vivas ainda aqui... Avô farrapo e sentinela, General sem guarnição, Lanceiro de pé no chão... O vejo em cada gole de amargo, Pois galopa nas minhas veias O seu gen e aprendizado... Tudo que vivo a cada dia no meu pago!