O almoço de domingo é na casa do pai... O rádio de pilhas acorda animado e, depois do respeito da missa das oito, espalha a alegria das gaitas… Traz as lembranças das noites de baile… Cadê a coragem, dos tempos de moço, convidar a prenda, que anda tristonha, e arrastar alpargatas na sala? Melhor afogar a vontade da dança nuns goles de mate… A mãe, suspirando, estende saudades no calor dos varais. O sol da manhã de domingo espalha as tristezas, espanta as angústias que fazem a ronda nos cantos da casa, grudadas nas roupas de cama, cortinas e panos, até no casaco de lã que a filha mais moça não quis mais usar… Dois netos afoitos, com braços abertos, mergulham inteiros nos braços do avô. Chegam sorrindo, gritando... parecem cordeiros pulando na grama que foi aparada no dia anterior, com lágrimas bobas que, bem atrevidas, de um rosto rolou... A mesa se apruma com jeito de festa: Toalha, talheres, as louças antigas que as filhas e a nora desejam herdar. Naquela disputa, ninguém se dá conta que a mãe, tão quieta, ainda as contempla do lado de cá… Salada de alface, arroz, pão caseiro e aipim. A limonada docinha, na jarra bonita, não querem provar... - os filhos trouxeram garrafas gigantes - vão matar suas sedes nos refrigerantes porque não têm tempo e vivem correndo atrás de uma casa melhor pra morar... Discussão e ideias contrárias se achegam na mesa... Uma voz afiada derrama teorias, na toalha branquinha, cravando uma lança no peito da mãe... Preocupada, comenta do tempo, do clima que trouxe o calor que sufoca...! A tosse do pai, que nunca tem cura, conserta os caminhos da prosa. E os doces, em cima da mesa: Chico balanceado, ambrosia, pessegada e o tal do sagu... Discussão recomeça...! A filha comenta da sorte da tia que foi pra cidade viver de favor... “O tio perdeu tudo, o gado, os campos, as economias... nas mesas de jogo...” Ele foi pendular junto ao galho do ipê. Silêncio e olhares de pena se vêm e... se vão... As crianças disparam, atiçam cachorros nas pobres galinhas que ciscam buscando encontrar não sei quê. “...O mês que se achega não tem trinta dias e o calor nesta terra, vai ser de rachar!” O pai, já sabia... a mãe, desconfiava... A nora anuncia: “...vocês entenderam? A gente precisa renovar energias, buscar esperanças... e saudade, por certo, não vai nos matar! Este ano, trocamos a sanga por águas de mar...” Notícia foi dada. Com nó na garganta, a voz inda escapa dos lábios da mãe: “A gente cria os filhos pro mundo, não é mesmo, meu velho? Tá certo, ninguém vai morrer!” A casa inteira vai silenciando… O rádio de pilhas parece entender. O pai ignora aquela conversa, pois tem a certeza de nada mudar e sai porta afora pra ver os guris. A mãe pega o rumo da horta, e volta trazendo sacolas de frutas, verduras fresquinhas, que, mais uma vez, irão estragar... Se a mãe e se o pai resistirem à falta e à pressa dos dias que vêm, verão os seus filhos chegarem com fome de almoço, que é só o que a pressa do tempo permite trazer! A pressa, maldita, a mesma de sempre, que chega sorrindo, num dia de sol... Deixa pratos, cadeiras e até o abraço de braços vazios… “Ainda é tão cedo, meu filho, não vá...” E os filhos, se vão... A poeira engole o aceno de adeus... A mãe cabisbaixa, fingindo descaso, não vê quem se vai... Dos olhos, desprendem goteiras que pingam no chão, bem rente às sacolas das frutas, verduras que os filhos, com pressa, outra vez “esqueceram” na casa do pai…