Poema das Duas Mãos

Marcos Roberto Paines Nunes
                

Um porongo entre os dedos, silêncio arremata o dia, Na bárbara nostalgia do matear de um fim de tarde. Junto ao braseiro que arde e à lavareda que dança Sempre vem uma lembrança que o pensamento invade. A fumaça do palheiro serpenteia e ganha formas, Ajeito o pai de fogo e se aviva o brasedo. Me sento então num pelego que ajustei sobre o catre Um mate, mais um mate... e o pensamento alpedo. Repassam coisas da lida, revivo histórias tantas... Viver é sempre colheita - semear pra vingar os grãos. Assim, toda consequência, resulta do que se planta A vida então se traduz no poema das duas mãos! Duas mãos e um cavalo... A mão esquerda se firma num “rendilhão” reforçado, A direita abana um pala tenteando se equilibrar. Pelas manhãs campesinas, nalgum ermo descampado, Labuta buscando “plata”, na vocação de domar! A morte rondando à volta e a sorte pedindo vaza... Essa certeza do tombo, mas muito mais que levanta! Nem se trata de coragem, mas é o sustento “das casa” E o medo, some num grito, solto de toda garganta! O homem toma suas rédeas e timbra, assim, seu caminho, Aparta pelas andanças o que lhe move, por tino, Aprende a fazer escolhas, aparta flores de espinhos E entre acertos e erros escreve o próprio destino. Duas mãos e uma guitarra... A esquerda firma os acordes, por vezes, passeia ao braço De uma guitarra campeira, ao fim da jornada longa, A direita traz ponteios e vai marcando o compasso Para quebrar os silêncios ao sonar de uma milonga. Labaredas que parecem ritmadas em bailado, No tranquear da “milonguita” - contraponteando algum grilo. Por vezes, um verso xucro se acolhera ao dedilhado. Cantiga de paz e campo pra um fim de dia tranquilo! É o mesmo homem de campo, que doma e atira um laço, Que traz na essência de um canto com plenitude de lida Uma quimera guardada, pra se esquivar dos puaços Que transcende em melodia num xucro canto pra vida! Duas mãos e um carinho… A esquerda busca a cintura da prenda que esperava, Cuidando rancho e família do taura que largou cedo. A direita seca aos olhos a lágrima que rolava, Antecedendo carinhos que se trocam em segredo. Passam luas de ansiedade no doce aguardar da vida Tantos sonhos de sequência, tantos sentires por dentro, Os olhos se fazem rio, numa emoção incontida, No instante que as duas mãos segurarem o rebento. É a maior recompensa que tem um índio campeiro Depois de passar o dia lidando que nem um louco, Ter o carinho dos filhos e um amor verdadeiro. Que pra ser feliz, por certo, se precisa de bem pouco! Duas mãos e a fé... Antes de largar pro campo, tiro o chapéu da cabeça Faço uma prece, agradeço e peço por proteção. Que o Patrão Velho amadrinhe de algum mal que me aconteça Pra que eu retorne pra perto dos que são minha razão. Porque nas lidas de campo, o perigo ronda um taura Que muitas vezes se agarra na fé que tem e sustenta, É a morte que se apresenta, por vezes, numa rodada Ou num corcovo de potro que salta bufando as ventas. Por isso que em cada noite, antes de adormecer, Por fé e por gratidão, numa oração sem demora, Joelhos ao chão, fecho os olhos e rezo pra agradecer, Juntando as duas mãos, a Deus e Nossa Senhora!