Era uma tarde de chuva num setembro de aguaceiro, quando Venâncio Fogaça pitava um palheiro grosso mirando os longes da estrada, e nas brumas da fumaça viu se chegar um andejo, destes, que andavam vagueando após tombar Gumercindo, restevas do Carovi. Melenas negras, compridas, lenço encarnado na espalda e um olhar de mistério... -Me llamo Santiago Saravia, vengo en paz, para el trabajo, se hay servicio en la tierra, se hay potros para domar, a mi me gusta lidiar! A estampa de índio ventana, atrevido, melenudo, não agradou ao patrão, mas já nasciam terneiros, as cercas vinham estropiadas, e só com mulher e filha mais dois ou três mandaletes, faltavam braços pra lida. E então Venâncio Fogaça justou o taura na estância. Santiago se aquerenciava e numa manhã de luz, olhando por sobre o lombo de um lobuno que tosava, em meio às réstias de sol, encontrou uns olhos verdes de uma morena das casas lhe negaceando da porta... Parece que toda dor, toda aspereza da guerra, se esvaia neste instante. O mundo já era mais belo, e a estância emudeceu. Mãos que empunharam espadas estremeciam nas crinas, una frontera obscura, um sentimento confuso pra um índio bruto de campo. E a moça também tremeu. A pele alva eriçada, o peito arfando mais forte, o coração descompassado. As mãos segurando a trança como a querer sofrenar uma ânsia clandestina, por hora, desconhecida. Uma flor de pessegueiro sobre a pedra do riacho, um punhado de araçás no peitoril da janela... - As senhas do bem querer - A fita que atava a trança amarrada no lombilho, bolo frito com canela no escondido do galpão... - Afagos correspondidos - Numa noite mormacenta com silêncios de inquietude, os corações transbordavam. Corpos ardentes, febris... Uma janela se abre desabrochando o desejo. Duas almas em comunhão com gemidos abafados... E a face alva do amor se aninhou candidamente em un pecho maragato. As rudes mãos peregrinas trotearam suavemente e desvendaram caminhos entre dois cerros maduros perfumados de açucena. Dulzura desconocida pra quem viveu entre amargos. Assim seguiram ocultos nos lajeados, nos pelegos, nas eternas madrugadas. E pelo atraso das regras se revelou a magia de um gineceu fecundado. Na cabeça do estancieiro, ódio, desonra, desgraça e um desejo de vingança, Mas o medo que sentia do andejo oriental lhe afrouxava a valentia e lhe instigava o ardil. O plano estava traçado! Durante todo o verão ninguém saiu da fazenda, não mais às festas de igreja, não mais aos tiros de laço, nem missa nem carreiradas. Portas cerradas pra todos. Na boca da vizinhança uma doença esquisita chegara com o tal Saravia. No dia do nascimento, uma tocaia montada... Dois sonidos dissonantes: Um berro anunciou: – É macho! Um tiro calou o rincão. O corpo jaz insepulto nas grotas da Josaphá, a alma paira nos campos buscando o cheiro da moça, buscando o choro do filho. Prás gentes da redondeza, o uruguayo de mistérios se foi, como se chegou. Pro pai, a “honra” lavada, o peso da covardia a lhe corroer as entranhas e a estampa do ventana a lhe assombrar madrugadas. Prá moça, uma desconfiança e uma tristeza profunda de flor que se fez espinho. O luto entremeou na trança e nunca mais foi embora. Pro guri que se criou herdeiro de estância grande, nem Santiago nem Saravia, no nome apenas Fogaça! Mas no sangue... Ah no sangue! No sangue ferve a paixão e uma bravura incontida que desconhece a razão. Um instinto maragato e um semblante oriental com um olhar de mistério... Melenas negras, compridas, ao vento nas sesmarias, campereando eternamente nas coxilhas de São Chico!