No rancho de chão batido, Única herança do peão, Velam o corpo: A viúva, os filhos E um casal de compadres. …………. Na capela da vila, Vasta procissão No velório do coronel. …………. Ao passo do velho ruano, O vigário vai pensando No trabalho que o espera... Dois enterros. Duas almas que ele conhecera tão bem. Dos adultos, casamentos. Das crianças, batizados. De um, ofertas pra igreja. Para o outro, a bondade do Senhor. Duas vidas desiguais Que se encontraram no fim. Vai pensando... E o campo à sua frente Vai lentamente mudando... Não mais o pampa imenso, Mas largo rio de águas negras Se apresenta ao olhar. Apertando a vista Enxerga na escuridão Um barco que lentamente Vai de uma a outra margem... …………….. Atravessando o Estige* A cumprir a sua lida, Caronte – o barqueiro – Transporta outra alma Pra o lado de lá. Absorto em seu ofício Sequer desvia o olhar Ao passageiro assente Na transição dos dois mundos. A viagem faz-se longa Na profusão de lembranças Que inundam a mente Do inerte passageiro. Imagens de riso e pranto, Que povoaram a existência Deste, que da vida, Está a se despedir. As brumas envolvem o rosto E as vestes do mortal. Mas isto em nada altera A atitude do barqueiro. Não lhe cuidara a figura. Não lhe importava a atitude Daquele que era, ao certo, A razão de sua lide, O objeto de seu labor. Transporta a essência – alma –. Devaneios de riquezas; Angústias de pobreza Em nada alteram sua labuta, Não mudam o curso do barco. A vida do transportado Só a ele pertenceu. Bem como a do anterior Que já passou para a outra margem, E a daquele que espera, Paciente, sua vez. Arroubos de altivez Perdidos no vão do tempo. Agruras de desalento Que se perderam para sempre. Não importando a vida, No momento do traslado, Solene, o barqueiro abre A sua mão para a paga: Uma moeda apenas É o preço da travessia. ……... Um “buenas, padre!” O desperta da miragem Que o arrebatara na estrada! Lembra então seu compromisso: Dois enterros. Duas vidas desiguais Que se encontraram na Morte. * Na mitologia grega, o Estige era um rio na entrada do mundo subterrâneo. Frequentemente, era descrito como o rio através do qual o barqueiro Caronte transportava a alma dos mortos para o Hades (mundo inferior). Como paga, o barqueiro deveria receber um dracma (moeda grega), motivo pelo qual os gregos colocavam uma moeda sobre os olhos dos mortos nos rituais funerários.