O Duelo de Don Blanco

Danilo Kuhn
                

Rivais em um descampado, arma em punho, bem chairada, sede por honra lavada, coração descompassado... Vida e morte lado a lado, repartindo o mesmo elo. A sorte cinge, a martelo, esculpe com seu cinzel, une, sob o mesmo céu, os dois lados de um duelo.   Por que o homem se envereda nas trilhas do enfrentamento, jogando o destino ao vento enquanto a morte lhe enreda? A vida é lenço de seda a beijar o fio da adaga... Mas, quando o silêncio indaga, nasce o verso e a poesia, morre a força e a valentia aos pés de cada palavra.   Don Blanco, triste poeta, desfolhava a vida a esmo, enclausurado em si mesmo. Nestas vielas incertas mantinha sempre aberta uma porta à amargura. Escravo de suas agruras, quase não se distinguia a sombra que o envolvia de sua própria figura.   Vagava entre as alcovas fugindo de seus pecados, como se fosse caçado por poemas, por palavras que eram de sua lavra, mas recusava a autoria. Se houvesse alguma alforria que lhe livrasse o açoite... mas Don Blanco era só noite sem esperança de dia.   Sopra o vento nas ruelas, vaza o pranto do sereno... Entre taças de veneno, um poeta, à luz de velas, se debate em quimeras. Lá estava Don Blanco e a última folha em branco a empeçar um duelo entre o vulgar e o belo, entre o silêncio e o espanto. Don Blanco ergueu sua pena feito uma lança de guerra demarcando sua terra, mas o sublime poema desviou-se do seu tema... A beleza é uma moça, não se conquista à força. A pena sangrava em vão, divagando em solidão, delirando em sua glosa. E a última folha em branco sustentava o olhar do poeta. Qual a passagem secreta? Como desvendar seu manto? O duelo de Don Blanco... Uma folha sobre a mesa... A poesia é uma deusa que só atende ao chamado de quem reza calado entre a luz e a mariposa.