No meio de um mate e outro Remonto as sobras de mim Que se perderam a lo largo Quando a vida me quedou Em três pontos de reticências No agouro triste de um fim! Sorvo na espuma do mate As corredeiras de sangas Com caroços de pitangas Que o vento afogou no leito... Nelas banho alguns pecados Que a louca história da vida Teceu em noites compridas De porres maulas, bisonhos... Por isso, nessas tragadas, Bebo águas quentes, jujadas, Que também lavam meus sonhos! Quando engulo a seiva verde, Replanto dentro de mim O antigo piazito maleva Que caçava passarinhos Nas arapucas da estância E de inocente inconstância, Nos laços largos de piola, Prendia em mesma gaiola Todos os conflitos da infância! A erva, quando virada, Encobre campos desertos De searas ressequidas Que não germinam sementes Nem podem se recriar... Na alma carbonizada De coivaras, devastada, Replanto as safras de um nada Que nunca pude guardar! No meio de um mate e outro Componho mil melodias Que um velho violão seis cordas Tenta impor aos meus sentidos Com prelúdios gauchescos Que hoje não existem mais... Assim trago para o meu canto Toda a sonata e o encanto Do canto dos ancestrais! O mate verde espumado Cavalga patas e rumos De um bagual xucro e aporreado Que nas domas do passado Me equilibrava no lombo E que, nas ancas delgadas, Pelo rude das jornadas, Ensinou-me a lei dos tombos! Quando a erva, então, se esbruga Mostra o retrato da alma Caindo no precipício De um poço que não tem fundo, Numa avalanche de erros Que fazem o meu próprio enterro Nas covas rasas do mundo! Nesse mate, quando encilho, Renovo os rumos dos sonhos E coloco no presente Aquilo que antigamente Era melhor que o agora E monto, no lombo da fantasia, Os arreios de uma utopia Que se perdeu campo afora! No meio de um mate e outro Sou mera reminiscência De um pago quase apagado Pelos confins da memória E que se avulta em minha mente... No mate velho e lavado, Sinto que as mãos do passado Vem afagar meu presente! Na cuia eu agarro as curvas De quem tive em meus pelegos E, por descuido e imprudência, Desamor ou incompetência, Deixei que ganhasse o mundo... No esbrugo que cai da taipa Pro assolamento da água, Sorvo um rio seco de mágoas Que o bojo guardou no fundo! Na bomba quente e domada Remexo dores e abismos Que a vida marcou a ferros No lombo de minha alma... Assim, como um mate azedo, Sinto o amargor dos segredos Que me legaram alguns traumas! No bocal quente da bomba Exorcizo meus infernos E alguns diabos malfeitores Que habitam meus infinitos E estancam pelos confins Dos rios de dentro de mim, Todo o furor dos meus gritos! No campo verde da erva Rebusco alguns peleadores Que lutam constantemente Nos aléns dos meus mistérios, Fazendo o taura gaudério Um soldado ou um general... Pra cada gole do mate Há um distinto combate Em que o bem luta como mal! No espaço entro as tragadas Engulo a voz de silêncio No olhar que busca horizontes Pelas lonjuras do pampa E o mar bravo que se estampa Nas ondas verdes da erva Faz marés e ressacadas Nas praias das madrugada Que a minha aurora conserva! Por isso entre um mate e outro Sigo bebendo manhãs E entre verdes picumãs Eu sorvo as sobras de mim. Descobrindo que as referências Embora a mesma aparência São pedaços da querência Em três pontos que não tem fim!