Aguaceiro

Marcelo Dávila
                

O vento assobia, em acordes de valsa, Canções tão antigas que o tempo nem lembra – Abraça as macegas, sacode e embala, Na volta dos ranchos, com rumo à fazenda. No seu sarandeio traz pingos de chuva Quais lágrimas frias regando a querência – O céu escurece, parece que enluta A tarde que chega com nuvens imensas. A terra exaurida abre a boca com sede, Pois traz cicatrizes dos meses de estio; Aos poucos, se extingue a agonia do verde Que tinha desejos de chuva ou de rio. Um cusco se achega bem junto das casas Buscando refúgio nos pátios cobertos E aninha-se ali, num entrevero de patas Fingindo que dorme, de olhos abertos Ao longe, se escuta a orquestra dos bichos Enquanto na várzea renasce o banhado: Tenor Cururu, com jeito e capricho, É o grande solista no coro dos sapos. Um velho tajã entoa seu canto Levando consigo os vestígios da tarde E um salso que havia secado seu pranto Voltou a chorar, talvez de saudade. Virou aguaceiro o que era chuvisco! A sanga do fundo cresceu, não dá vau! A pampa se acende à luz dos coriscos Que riscam o céu em carreira brutal! A noite se enche de fúria e de som Com nuvens pesadas que rugem estrondos; No teto de zinco do antigo galpão Retumba a tormenta sonidos de bombos. Lá dentro, aquecida, a peonada se assanha Mateando na volta do fogo-de-chão. Misturam o amargo com goles de canha E contam histórias de assombração: O avô de um lindeiro era lobisomem! A tia, uma bruxa, fazia quebrantos! E ao pé de um angico, em noites insones, Surgia uma prenda vestida de branco! A chuva se amansa, já é madrugada; Recolhem-se todos no abrigo dos catres. Lá fora, um cheiro de terra molhada Vem dar boas-vindas ao dia que nasce. Nas frinchas das nuvens um sol se insinua Talvez sonolento, com tímida calma; O bruto aguaceiro mostrou suas puas Lavando a campanha, os ranchos - e a alma!