A Oração da Guitarra

Jurema Chaves
                

O guitarreiro é uma lenda Que voa entre os acordes De seis tentos afinados! Quando a dor aperta o peito Ensimesmado, sem jeito, No olhar, o vidro quebrado Vazando gotas de mar Pelas ladeiras do rosto Sulcada pelos invernos Num mutismo que é só seu! A guitarra enternecida Mirando tristes silêncios Das mãos que lhe acariciam Sem notas para os acordes Sem as milongas noturnas Pra encantar a lua cheia Quando a saudade se apeia Aporreada e soturna! Fica num canto, a guitarra Guardando tristes arpejos Entre bordões machucados... E o guitarreiro, calado, Contempla sem entender A estranha razão de ser Esse sentir, esse apego... Só com ela se completa Pois sua alma é repleta De acordes e melodias! Com suas primas e bordões Que, chorando, desafina Precisa mesmo é cantar Sentir a alma nos dedos E revelar os segredos Que só ela sabe escutar! Só ela entende essas notas Essas paixões entardecidas Que fazem brotar pentagramas Em partituras de estrelas! Só a guitarra compreende O escrito das entrelinhas Pois sua alma adivinha Seus íntimos pensamentos E tem o atrevimento De expressar - melhor que ele – Cada gota refletida No espelho de algum olhar! Guitarra, minha guitarra! Que força estranha nos une Que força tem o teu lume Que faz luz em meu caminho Que me traz vida! Chorando, recostada nos meus braços. Que força tem tuas notas, Que quando a saudade volta Tu já estás esperando Com uma nova melodia! A vida tem mais sentido Junto a ti, minha parceira! Que verseja, companheira, Sempre ali à minha espera Respeita o isolamento Que tantas vezes me invade... Tua alma de madeira Entende tanto de mim! Nas horas mais doloridas Num timbre imerso de adeus Teu colo que me acolheu! Sempre tive teu abraço Onde recolho pedaços Da minha alma ferida Busquei em ti a saída E a canção apareceu! Sempre que sinto as maneias Da saudade a me prender Busco em ti a liberdade Contigo posso ser livre Voar pra onde eu quiser! A força dessa magia Que nos une assim, tão forte! Num elo tão delicado Que sublima meus pecados E transcende além de nós Migrando pra o infinito Alcança as franjas do céu, Quando unimos nossas vozes! Já não importa teu nome Se guitarra ou violão! És, de fato, um coração Que vibra junto do meu! Num místico entendimento Quando em meu colo se deita E a noite toda se enfeita Só pra te ouvir soluçar! Revivendo em cada nota Em cada acorde sonoro Às vezes choro por dentro Deixando o pranto cair Para brindar-te, guitarra, Quando me queres ouvir! A tua imagem retrata O muito das trajetórias Escritas com notas graves Na gravidade da dor... Tu me ensinaste a oração Que o guitarreiro soluça Quando se fecha a cortina E o palco fica vazio! Vivo e revivo encontrando As tuas notas mais tristes Pra um soneto buscar Para dar vida ao soluço Que embarga o nosso cantar! Teu braço, minha guitarra, É para mim um rosário Onde faço minhas preces Num canto de devoção. Tem amor e gratidão Em cada palavra solta Na rima que vai e volta Alcanço o céu todo dia É sedução, é magia! Sou liberto e escravizado Sou redenção e pecado Sou guitarra e poesia!