E lá se ia o tal velho Com quatro cestos nas costas, Cheios de palhas e sonhos... Frente aberta nessa estrada, Seis e meia da manhã. No caminho mal piscava, Não falava com ninguém; Olhar de poucos amigos, Na verdade de nenhum. Trazia tempo e mistério, Nas mãos o seu evangelho: Sua força e nada mais. Nada mais fazia falta, Ao menos não parecia; Ou muito bem escondia As carências da matéria. Nas profundezas da alma Suas inquietudes e penas, Tendo na estrada pequena A confidente dos passos, Nesse pequeno trajeto De tantos e tantos anos. Muitos cresceram com medo Da realidade do velho, Que toda manhã bem cedo Cruzava a estrada do campo Com quatro cestos vazios. Buscava a palha e voltava Pra sua casa sombria... E lá ficava trancado No seu mundo sufocado Pela palha que trazia. Esses todos que assistiam Criavam toscas ideias Sobre a razão dessas palhas... Será que trazia embaixo Algum chibo surrupiado, Devidamente cortado Pra disfarçar a função? Será que mercadoria Trazida lá do outro lado? Afinal, o que era o velho... Contrabandista ou ladrão? Uns achavam que eram tralhas De feitiço e bruxaria Que toda a palha escondia... Era feitiço, diziam, Ignorantes com medo De crenças desconhecidas. Uns achavam que eram armas De assassinatos traiçoeiros... Afinal o que era o velho... Feiticeiro ou homicida? Outros pensavam ter joias, Diamantes raros, tesouros; Quem sabe barras de ouro Escondidas nesses cestos. Quem sabe toda essa palha Que ele juntava seria O combustível perfeito Pra tocar fogo na vila? Socorro, Virgem Maria! Afinal o que era o velho... Milionário ou incendiário? As pessoas divagavam... Espalhavam suas viagens, Mas não buscaram por certo Desvendar essas passagens, Porque faltava coragem Pra encarar aquele velho... E os jovens viravam velhos Ainda cheios de medo. Porém eu muito curioso, Cheio de medo e respeito, Por fim encontrei um jeito De indagar aquele velho. Lhes digo que ainda quero Ter um terço da humildade Bem como um pingo da calma E o mesmo tom de verdade Daquele velho inocente, Que tinha na voz cansada As mesmas luzes da alma. Cheguei de manso, solito, E soltei um “oh de casa!” De um jeito que nunca falha; Logo depois, sem enleio, Enfim perguntei ao velho Qual o mistério das palhas. O velho abriu um sorriso Que tomou conta do ar, E logo após, sem demora, Ele contou devagar: “- De onde eu vim, companheiro, Os velhos sempre diziam Que a tal da felicidade É uma agulha num palheiro.” “- Por isso eu suo na estrada... O meu instinto não falha; E até eu vestir a mortalha Insisto nessa empreitada.” “- Toda manhã busco a palha, Seja sol, seja aguaceiro, E faço um novo palheiro Pra procurar a danada...” “- Se eu achar fico faceiro... Se não achar, não dá nada!”